segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A Herança de um Shaman II

Genim caminhava tranquilamente pelas ruas desertas da vila. Sob sua presença, o silêncio se fez absoluto, nem mesmo um grilo ousava cricrilar. Vez ou outra, uma cabeça aparecia furtiva pela janela, mas todos pareciam incapazes de notar a presença da pequena criança e sua imensa arma.
Não demorou muito para que ele achasse uma pequena cabana, próxima ao final da vila, ainda fortemente iluminada pelas velas. Indiferente a existência de humanos dentro do recinto, ele fez sua imensa arma desaparecer, e entrou resoluto.
O interior da pequena residência era tão simples quanto a vila. Um pequeno recinto de chão batido, que se abria para mais três cômodos, que deveriam ser os quartos. Uma senhora estava sentada em um pequeno banco de madeira, e chorava copiosamente, amparada por uma mulher mais jovem. Ainda assim, não notavam a presença do recém chegado.
Por um segundo, a morte pensou no sofrimento humano, e em sua condição miserável. Porém, mais uma pequena borboleta apareceu ao seu lado, acompanhando, em seguida, as outras, em suas revoluções no entorno do ser.
Com um suspiro afastou o pensamento de sua mente, e continuou caminhando em direção a um dos cômodos. Tinha uma missão a cumprir naquele local. Sua mão muito branca tocou a porta, abrindo espaço para que pudesse entrar no recinto…

O dia fora exaustivo. Eu tinha de trabalhar nos campos desde mais cedo, para fazer o meu serviço e o de meu pai, que caíra enfermo no começo daquela semana. Aquilo era algo realmente estranho. Embora tivesse dezesseis anos, aquela era a primeira vez que via meu pai doente.
E aquela não era uma doença comum. Parecia lhe consumir a vida rapidamente. Seus olhos estavam fundos no rosto, nem sombra daquele homem tão forte que ele fora um dia.
Ainda assim, naquela tarde me fez um pedido estranho, para que fosse ao seu quarto, assim que o sol se deitasse. Estava ali desde então, mas meu pai falou muito pouco, limitando-se a pequenos devaneios, provocados pela febre, e o pedido para que lhe fosse entregue sua espada.
Eu sempre quis entender o apego que ele tinha àquela arma, uma espada muito rebuscada para aldeões como nós. Ele me fez treinar a exaustão com aquilo, até que eu pudesse manejá-la com perfeição. Segundo ele isso ainda viria a ser útil para mim.
Sempre ri destes sonhos malucos dele. Contudo, hoje eu estava mais preocupado com seu estado. Ele havia piorado bastante e sua pele havia adquirido um tom esverdeado.
De súbito, uma corrente de ar frio entrou no quarto, acompanhada um sinistro sinal de mau agouro. Foi então que percebi que as cortinas pararam seu movimento, como se tivessem sido congeladas no momento em que se balançavam ao sabor do vento. A temperatura começou a despencar vertiginosamente.
Meu pai soltou um som rouco da garganta, era um som um tanto gutural e fraco, mas inconfundivel de uma risada.
– Chegou a hora, Andrey.
Sem aviso prévio a porta se escancarou, e uma pequena criança, de cabelos prateados, olhos sem pupilas, no mesmo tom, entrou. Seu manto negro e etéreo parecia desfazer-se, ao contato com o menor obstáculo, para voltar a sua forma normal no segundo seguinte. Mariposas negras voavam serenas à sua volta.
Eu sabia quem era, ainda que não quisesse admitir aquela presença naquele local. Era a encarnação da Morte, Genim, que vinha para levar meu pai.

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