terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A Herança de um Shaman III

Ele caminhou lentamente para dentro do quarto. Sua presença era fria e maciça. Ao olhar em seus olhos eu vi a minha imagem refletida, um adolescente musculoso pela lida no campo, com a tez amorenada, cabelos negros e olhos castanhos. Um rosto sofrido pelo intenso trabalho de sol a sol.
Num piscar de olhos do espírito a cena mudou para um homem, parecido comigo, só que muito mais velho. Uma flecha proeminente estava cravada em seu peito. Meu eu estava em dúvida sobre o que seria aquela imagem. Somente então me lembrei dos contos sobre Genim: se olhar nos fundos de seus olhos, verá como será a tua morte.
Instintivamente fechei meus olhos e sacudi minha cabeça, tentando banir aquela imagem.
– É bom que esqueças isto. Não importa o que faças de tua vida, humano, realmente espero que não morras, para o nosso bem. – Genim deu um sorriso intimidador.
Meu pai se mexia em sua cama, contrariado pela falta de força. A presença daquele ser fizera com que sua aparência melhorasse bastante.
– Dizem que uma estrela mostra todo o seu brilho antes de desaparecer. Estás melhor que eu esperava, Alex.
A voz da Morte era tenra, como se falasse com um amigo de longa data. Meu pai sorria, como se estivesse feliz em ver aquele ser maldito.
– Suas gentilezas são sempre bem vindas. É bom pensar que no fim terei um pouco de compaixão. Mas por favor, não aguento mais convalescer nesta cama, vamos ao que interessa.
– Seja feita vossa vontade. – Uma espada curta surgiu nas mãos do visitante. Não pensei apenas me levantei e investi contra a criatura.
Foi um movimento completamente em vão. Aquela criatura tão frágil aparecera atrás de mim, prendendo minha mão atrás de suas costas, com a lâmina apontada para meu pescoço.
– Em situações normais, eu odeio essas gracinhas. Mas tu és um caso especial, motivo pelo qual relevarei este gesto. – Com isto ele me soltou de seu aperto. – A morte é inevitável a todos os mortais, mas não é só para levar a alma de teu pai para o descanso eterno que estou aqui.
Com isto ele descobriu o torso nu de meu pai, cortou seu dedo na lâmina da espada, e começou a desenhar um círculo repleto de inscrições rúnicas desconhecidas para mim. O sangue da morte tinha a mesma tonalidade vermelha dos mortais, mas emitia uma luminosidade etérea.
– Apenas armas mágicas, fabricadas por ritos muito especiais, são capazes de nos cortar. Ainda assim…
O dedo terminou de percorrer o intrincado desenho, e ele o tirou da pele do meu pai. A ferida cicatrizou imediatamente. Era um aviso simples, matá-lo era impossível para mim.
– O que é isso?
– Isso é um círculo de magia. Serve para criar um selo espiritual. Em resumo, é uma forma de prender um espírito. Mais tarde eu explicarei tudo, agora, vamos terminar com isso. Tire a camisa, por favor.
Eu obedeci a criatura silente, estava desistindo de tentar resistir. Sem se importar com minha cooperação, Genim tirou uma pedra de dentro de suas vestes. Tinha a aparência de um pequeno cristal, cor de sangue, que irradiava uma fraca luz.
– O que é isso?
– Um cristal de almas, tua nova vida. – Sem mais falar, ele colocou aquela jóia em meu peito. Uma dor inimaginável percorreu meu corpo, e, antes de desmaiar, senti aquela força se encravar em meu coração.
É aqui que minha verdadeira história começa.

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