sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Herança de um Shaman IV

Quando eu acordei novamente, estava deitado no chão. Estranhamente eu me sentia muito bem. Meu corpo não tinha dores, e meu peito parecia em perfeito estado. Fora o círculo mágico que Genim fizera enquanto eu estava desacordado, nada parecia mudado. Ainda assim, eu me sentia mudado.
– Acordou? Podemos continuar? – A Morte demonstrava um pouco de pressa em sua voz. – Ouça-me bem, pois o que vou falar-te é algo que não questionarás, ao menos por agora, entendes? – fiz que sim com a cabeça, mais por medo daqueles olhos do que por confiança. – Por muitos anos, o teu pai foi um Shaman, um guardião de um espírito. Dentro dele foi aprisionado o Espírito Superior conhecido como Kyu, a Destruição. Durante gerações, tua família tem guardado este prisioneiro, sempre abençoados por Noa, Poder do Infra-Mundo. Teu pai padece, agora, porque o Cristal de Almas dado a ele começou a perder sua força. Seu corpo foi afetado por este fardo, e se ele não for substituído, esta besta será liberta, e a destruição começará novamente.
Engoli em seco, aquela história era um tanto quanto difícil de aceitar. Meu pai era um Shaman? Dentro dele estava aprisionado o Espírito da Destruição, um dos mais temidos generais das Trevas? Eu deveria carregá-lo a partir de agora? Essas perguntas começaram a girar rápido na minha cabeça, mas assim que eu tomei ar para falar Genim me cortou novamente. Aquilo já estava começando a me irritar.
– Já disse que não temos tempo agora, meu encanto só durará por mais alguns instantes, e o tempo voltará a correr como antes. Eu explicarei tudo, mais tarde, prometo. Agora, limite-se a concentrar-se no círculo desenhado em seu peito. Busque dentro de ti o conhecimento para usá-lo, e libere a tua força vital nele.
Eu entendi um pouco daquelas palavras, mas não sabia o que ele queria com aquilo. Ainda assim, segui a ordem. Fechei meus olhos, sem sentir absolutamente nada. Só então me concentrei fundo em uma fraca voz que me dizia para colocar a mão no círculo. Por instinto obedeci. Ela disse para por a minha força de vontade naquilo, como se eu confiasse a minha vida ao círculo. Imediatamente me senti fraco, como se tivesse corrido alguns quilômetros, e uma estranha luz começou a brilhar em minha pele.
– Esplêndido – disse a Morte. De fato, ainda hoje não consigo palavra para descrever aquilo. O círculo desenhado no peito de meu pai começou a brilhar com o mesmo tom de azul que luzia no desenho feito no meu. O espetáculo de luz começou a ganhar mais cores quando um globo dourado começou a emergir de meu pai, sobre seus protestos violentos de dor. O vulto de uma pequena raposa, com nove caudas era perfeitamente visível dentro da redoma de luz, agora parada na metade do caminho entre nós. Suas formas pareciam moldadas em alguma forma de fogo vermelho e vicioso. As pequenas caudas agitavam-se convulsivamente, atacando sem piedade as paredes da esfera. Sem cessar um instante, aquela coisa continuou seu movimento, até tocar o círculo desenhando em minha pele.
Pela segunda vez naquela noite eu senti uma dor excruciante, e agradeci pelo tempo estar congelado, pois meu grito cortou o silêncio da madrugada. Desta vez, contudo, eu não desmaiei. E vi quando o ritual acabou.
– Alex, seu tempo neste mundo está acabado, meu velho amigo. Agora, unir-te-ás aos teus antecessores para assistir a passagem inexorável dos tempos, na casa de meu Senhor. Em breve, estarei lá contigo, para brindar os bons momentos. Desejas falar algo ao teu sucessor? – A expressão e voz de Genim eram afetuosas. Ele realmente sentia estar fazendo aquilo.
– Filho, esta herança maldita que eu te deixo, é a triste herança de um Shaman. Mas também há felicidades neste caminho, e espero que saibas aproveitá-las. Esta espada agora é tua, tome-a como minha lembrança, e lembrança de tua genealogia. Que Deus lhe abençoe, e os espíritos lhe sejam favoráveis. Adeus.
Com estas palavras, Genim, que tinha sua espada sobre a cabeça, trouxe a lâmina para o chão, sem hesitar por um único instante.

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